quinta-feira, 16 de junho de 2011

o beijo mais caro do mundo

O BEIJO MAIS CARO DO MUNDO
“Te amo, beijo em tua boca a alegria”
( Pablo Neruda )
“Eu não quero ser amado por ninguém. Eu me amo. Só quero que gostem de mim. Isso basta”.
( Severino Santos ) Cito de memória essas palavras e concordo com elas.
Para Ana Vitória, que filmou o beijo


Conheço todos os truques do amor e não me falta decisão. Sei que ficarei com essa agradável recordação para o resto da vida. Ao jeito de Carlos Drummond de Andrade preciso fazer uma confissão de itabirano. De uma forma atravessada nasci em Picos e com trinta dias de nascida meus pais pegaram um caminhão, encheram de filhos e se mandaram. Todavia, principalmente nasci em Teresina. Dessa vez em visita à minha terra me senti uma soldada cubana. Tive que virar uma sereia e ser uma pérola de encantamento.
Esse episódio de minha vida virarão várias páginas de livros. Minha insólita presença em Teresina, não decolou. Ao mesmo tempo em que revejo árvores conhecidas, fico olhando meu guru na hora da fuga. Não fui Sherazade,entretanto sei que terei histórias para contar. Ele foi embora igualzinho as cinzas vulcânicas do Chile: mentiroso e sensual. Já dizia Torquato Neto “toda palavra guarda uma cilada”. Me pareço fadada a todos os hemisférios da conquista. Mediante a desilusão peguei as malas que estavam no carro de um amigo e fui para o aeroporto. Fiquei com o pescoço endurecido quando a jovem atrás do balcão da companhia aérea disse-me: “vou lhe dar uma notícia ruim, seu voo era pra ontem.” Sento desolada numa poltrona e penso em Roberto Carlos: “Nossa Senhora me dê a mão...”
O serviço de bordo de minha ida foi sinistro. Por essa perda eu não esperava. Um executivo curitibano, na poltrona ao lado puxa conversa comigo,conto minha história, ele me diz que isso já havia acontecido dezenas de vezes com ele. Tudo por causa de meus eventuais sintomas de amor.
A mensagem muda tudo. Me sentia uma cosmonauta à beira mar.Comecei a fazer promessa para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Meu cérebro eletrônico procurava uma justificativa. Não havia regras de jogo porém encasquetei que amaria aquele homem enganador e falso. Acho que escolhi o melhor lugar para pregar um susto nele: uma praça abarrotada de pessoas.
Fui dar uma volta lá fora do aeroporto. Um jovem se aproxima e me pede cigarro.
- Não, compañero, não fumo. Só beijo. Você acreditaria se eu te contasse que fui atrás de um homem só para beijá-lo e perdi o avião?
- Não me aborreço, tenho putas.
- Mira mon amie soy guerrilera! Non tengo amores. Meu guru se espantou quando me viu. E lhe digo mais: eu o beijei numa praça com centenas de pessoas num show de vários músicos e os todos os fotógrafos do evento nos fotografaram. Concomitantemente o rapaz me pede comida. Preparo uma ressalva:
- Há muito tempo que comer me aborrece.
- A senhora poderia comer fígados de tubarões.
- Vá você atrás dos tubarões.
O jovem foi embora arrastando uma mala velha com duas rodinhas.
Volto para meu raciocínio. Nunca beijei tão bem. Meti minha língua dentro da boca de meu guru e enrolei. Foram três beijos de destroncar o porão de um navio. Em meus devaneios vejo a imagem de meu amigo Ray, ele sempre diz: “quando falo em navio,lembro-me de bote.Rico quando está deprimido fica deitado num bote, relaxando”. Se eu fosse rica compraria agora uma passagem para o Japão e iria só meditar. Queria filmar tudo que acontece em minha vida e guardar as películas. Meu amado guru fura como um osso atravessado em minha garganta, Deve haver um buraco no coração daquele homem. Lembro de uma viagem que fiz a Cuba e vi um out-door bem alto com letras bonitas e esmaltadas:
“OS HOMENS MORREM, O PARTIDO É IMORTAL”. Todo amor morre, mas o meu é imortal.
Oh! Vontade de tomar um líquido azul!
Oh! Vontade de tomar absinto!
Hoje, abastecida pelo beijo ainda choro. Me sinto um veículo imprestável numa via pública. Penso que um ladrão a pé se encontra bem mais equipado que polícia de automóvel. Com certeza carrego uma lembrança irônica. Já assisti a vários roubos e vi ladrões correndo. Nunca vi a polícia pegar nenhum. Volto para o beijo. Minhas amigas zombam de mim e dizem: beijo não se pede, beijo se rouba. Creio que meu beijo foi histórico... como passear por um museu cheio de teia de aranha. Ajeito monstros em minha cabeça, todavia é preciso ter vivido nas vísceras do monstro para conhecê-lo bem. São quatro horas da madrugada. Já estou em outro aeroporto. Viajei por quarenta minutos para outra cidade. Lembro Tom Hanks no filme “Terminal”. Compro na farmácia do aeroporto um sabonete neutro e tento comprar um envelope de aspirina. A balconista falou: “aspirina não tem”.
- Por que diz que não tem se a vejo daqui...
- Precisa de receita.
- Será que vocês não vendem a aspirina porque hoje é domingo de noite?
- Quem sabe se você deve tomar aspirina é o médico.
- E eu vou achar um médico aonde?
A velha se enfezou e adentrou pela farmácia. Sumiu na poeira do vento.
Tudo é puro, Ítalo Calvino: “se uma noite de inverno um viajante”.
Passei três dias vagando pelo aeroporto. Muito calor. Esperava com ansiedade a noite chegar para me estender numa poltrona-cama do aeroporto. Queria pelo menos entender minha forma de viajar. Comecei a sentir a tentação de me abandonar.
Comi alguns biscoitos amassados que encontrei em minha bolsa. Durmo sem sonhos. Pela manhã vou tomar um sol. Um urubu rodeia o tempo todo minha mochila jogada no chão e um cachorro abre um olho. Me molhei com os chuviscos repentinos e me enxuguei com um cobertor espacial. Parecia que havia uma laje em minha cabeça. Logo vejo uma placa “DESAPARECEIDA”. Três dias em um aeroporto!
Um homem bochechudo, molhado e esmolambado me dá bom dia.
- Dia!
Vou ao banheiro, ponho um vestido e uma tal de calça legging. Fecho os olhos e vejo um castelo cheio de rosas amarelas. Entretanto a fumaça flutuante dos pulmões de um jovem me amarelou.
- Maldito cigarro!
Com uma tampinha de refrigerante tiro cara e coroa e me pergunto aonde devo ir. Queria agora ouvir histórias sobre casas e pombos-correio. Minhas pernas me ensinam o caminho para um jardim de rosas. Enterro meu rosto no macio tecido do meu cobertor quadrado. Levanto as vistas e vejo uma casa com gramado imenso verde, balanços e escorregadores.
- Esta poderia ser minha casa.
- Casa! Suspiro!
Mais uma pessoa me pede cigarro. Eu não fumo, eu quero ir pra casa, porra!
Em torno do aeroporto vejo ao longe barracos abandonados, tomados pelas plantas e pela a grama. Chorei e fiz birra, igual um bebê mimado. Eu vou sair daqui... Liguei agora a chave de meu cérebro. Joguei a mochila nas costas e fui ao balcão internacional. Mudei minha rota.
-. Deixa eu olhar no sitema. Senhorita, tem vôo para Buenos Aires nas próximas horas.

“MALDITO COMPUTADOR”!
Ela coloca uma unha na boca e clica o mouse com a outra mão.
- Daqui a uma hora tem um avião para Buenos Aires. Há vagas. A senhora vai pagar à vista? Ou com cartão?
- Pago com Money,o vil metal, la plata...
- Senhora, não perca tempo jogando energia fora, gastando seu fôlego e nem conversando consigo mesma.
- Por que me diz isso?
- A senhora está resfolegando, parece que seu coração vai sair voando pela boca.
- Eu demonstro está assim? Ela fingiu não ouvir.
O clique de um isqueiro ao meu lado soa estranho e repentino no silêncio que tento praticar. Me vendo muda Mayara sorri (li a plaquinha no peito dela).
- É dinheiro...então vamos ali no outro balcão. Prontinho, boa viagem!
- Obrigada, me desculpe pelos suspiros! Aquela passagem em minhas mãos era o mapa do tesouro. Esperei com o dedo na boca. Escutava conversas de todos os níveis. Fui logo desligando meu celular. Minha espinha ainda tremia como água agitada pela brisa. “Até que enfim irei para um lugar amado”.
Tive o insight porque em Buenos Aires tenho pessoas muito queridas. Eu poderia escolher a casa para ficar. Tenho sobrinhos, primos e primas e a princesinha assessora de Meirinha, minha prima, a tão querida Raimunda da Costa Carvalho. Ainda no avião escolhi a casa de Raimundinha, uma pessoa de ouro. Eu suspiro e bocejo, olhando o céu escuro, forte. O cigarro de um homem pendurado em sua boca cai exatamente em minhas roupas. Dou um pulo.
- Está apagado, é que eu vou viajar cheirando ele. Penteei meus cabelos para trás com os dedos. Depois eu olho e o cigarro dele está atrás da orelha.
“Porra, o homem se inclina e bate um pouco em minha cabeça”. Saio de perto dele de fininho
Abro a bolsa e remexo em minhas pílulas. Tomo uma pílula verde com amarelo, outra azul e branco. E mordo a metade da terceira, branca. “Viu querida, você cuida de você”. Devo seguir o conselho de Mayara. Quando sentei na poltrona do avião, bodei. Só acordei em Buenos Aires. Raimundinha me abriu a porta com um belo sorriso. Ela me pergunta:
- E as cinzas vulcânicas do Chile não atingiram seu avião?
- Atingiram mas eu estava bodada. Não dei bola para o que o comandante falou.
- Quer tomar café, almoçar, jantar ou merendar?
- Quero suco de melão, pão integral, queijo gorgonzola, três bananas, aveia e um copázio de café.
Raimunda tinha tudo. Pedi exatamente o que não falta na geladeira dela.
Depois tomei banho, fui para meu quarto de hóspedes. Tirei as calças e fui para a cama às escuras. Dormi. Sonhei que voava sobre as cinzas do vulcão chileno e descia no Peru. Fui enfiando um sonho no outro. Sonhei com leões em praias brancas da França e logo eles viravam gatinhos.
ESCRITO NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE FORTALEZA, PINTOS MARTINS EM 9 DE JUNHO DE 2011.