segunda-feira, 27 de abril de 2009

LIMA À MEIA-NOITE

“Os livros têm o valor de consolação
para seus autores”
( Inês Pedrosa )


Agripina Pomar e nossa viagem ao Peru...
Caminhávamos pelas feiras improvisadas
E sentávamos à beira de rios... ficávamos horas
Vendo peixinhos mortos.
- Que foi? Uma vez perguntei.
- Uma recordação dos infernos!
Os pensamentos toscos chegam... guardo ainda
Minha bolsa amarela de poeira... atopetada de santinhos.
Nos apaixonamos por nosso guia de viagem...tiramos
Cara ou coroa com umas latas vazias.
Agripina ganhou o índio e o levou para países nórdicos
Aos quinze dias com o novo amor descobriu-o
Lambendo portões enferrujados e chupando fósforos.
Pobre índio com aquela locomotiva a desabençoar-lhe.
Deporta o jovem para sua visão do paraíso.
Hoje Agripina tem uma linda menina Pilar, filha de
/inglês...”mas com a cara redonda de sol do peruano”.
Agripina lua nova cheia de todos os anoiteceres do mundo...
Amarela flor de Portugal... com os cigarros amarrados à sua
Literatura de versos ligeiros como a velocidade da sombra
Correndo para preparar frases diabólicas.
Amiga, estou na carreira falando lendo devorando almas
Ocupada como o quê!
Mas nada de melancolia nem arrependimentos
Mesmo pelo estranho passado!
Seremos sempre fortes como a forja da faca:
- fogo
- água e
- pancada
Também somos um caco entre vários cacos de barro...
Tudo é uma questão de “sangre”
Buscai ao Senhor enquanto se pode achar.


(rosa kapila)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A PRECARIEDADE DA SORTE HUMANA


“estranho livro aquele que escreveste, artista
da saudade e do sofrer! Estranho livro aquele
em que puseste tudo o que eu sinto, sem
poder dizer” (Florbela Espanca)


Toda a carne que tenho distribuída testa
/abaixo, dói.
E, ainda dizem que forte sou.
Eu ando, eu corro, eu penso em aparar aquela luva
/perdida por um astronauta, no interplanetário.
Eu invento “a lógica dos possíveis narrativos” em lixo
/espacial.
O que me salva são os poetas de antigamente,
/que me fazem companhia.
Avalio encantadores frutos e mistérios de pessoas
/escondendo seus sabores.
Penso nos grãos de areia que juntei numa latinha
/de marrom glacê para recompensas dar-me
/em formas irreais.
Imagino treinar feituras de sonetos, saltos ornamentais
/em cachoeiras, fluxos de energia no Himalaia.
Penso muito na precariedade da sorte humana.
Lembro-me de um cajueiro velho de Pindamonhagaba.
Gosto de relembrar-me da casa do tio Bob de Pinda
/e nos moranguinhos que colhíamos pela estrada.

(rosa kapila)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

ENQUANTO PASSEIAM OS RATOS

“Já fico feliz de poder lidar com Lampião,
satanás e muitos outros, tudo no tempo que
/eu invento, às vezes com lógica, outras nem tanto”
(Alceu Valente )



Para minha amiga Agripina Pomar


Meus vizinhos são estranhos
/de religião nem se fala, tampouco de sinais de fogo.
Alguns deles terão o meu sotaque?
Seguro o meu caderno de espiral para jogar fora
/consoantes e vogais enquanto mastigo sementes
/de girassol pra cima e pra baixo no elevador.
Aqui, nesse elevador, estão alguns mistérios
/de meu medo.
Falei para um vizinho que o maior incêndio da
China foi causado por ratos que mastigaram os
/fios elétricos do prédio.
A goela do homem se inflou e com medo ele disse:
“lugares importantes se queimam...imagina!”
Fugi do elevador pela neblina
Cometerei versos assassinos e os despacharei com os
/cumprimentos dessa autora que agora sai
/para caçar os ratos...
Ratos em geral não falam mas deixam pistas.
Em minha sala de estudos couros comidos e flores esbeltas
/dormindo sobre o papaya verde que virou um túnel
/ e o capuz de meu capote escondia a aritmética
/de meu medo.


(rosa kapila)

O QUE HÁ DE QUENTE NO GELO?



“Para alcançar o conhecimento, adicione
coisas todos os dias. Para alcançar a sabedoria,
remova coisas todos os dias.”
( Lao-Tsé )


Às vezes eu gosto de pensar que os espíritos
/celestes vagam pelo firmamento
/acendendo as estrelas uma por uma...
É duro constatar que as estrelas estiveram ali
/o dia todo.
Minha vizinha, rosnando em frente ao elevador
/diz que é uma estrela!
Enquanto ela age assim eu dou uma viajada
/pelo céu preenchendo minhas lacunas.
O que é melancolia?
É a palavra mais abstrata que conheço...
Já me sinto pronta para devolver
/todas as sombras.
Deus! Dê-me uma virtude positiva para
/nela eu pensar...
Aguardo o vento que daqui a pouco
/vai passar por aqui...
Um morto conhecido se aproxima...
E se ele vir puxar o meu pé
/eu destruo o resto da alma dele.


(rosa kapila)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

OS PONTOS CEGOS DA CASA


“Os livrinhos têm o seu destino”
( Terenciano Mauro – século III d. C )



Hoje, a cor de meu poente de Teresina
/veio encontrar-me em curvas de pássaros
/no céu ambrósio.
Pensei em lendas
Pensei naqueles meus vizinhos que eram
/donos de um grande segredo.
Pensei nas sujeiras do texto
/e naqueles caras que costumavam pegar almas.
Quando a luz do sol apontava
/ eu tinha que levantar-me e agir.
A blusa da escola, alvinha
/os sapatos, pretinhos
/a saia, pregueadinha.
Meu pai às vezes tocava sanfona de madrugadinha.
E mamãe fazia chouriço...eu olhava aquilo
/quente e aguentava até onde podia aguentar...
/e dizia em meus pensamentos “de onde veio um
/ser para eu amar tanto?”
Os pontos cegos da casa eram noturnos.
As lendas!
/de mortos dependurados e jovens mortas
/atrás das portas.
E tinha um velho sem-vergonha numa esquina.

(edu planchêz)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

NO DIA EM QUE EU ECLIPSAR-ME

“Dou o nome de violência a uma audácia
em repouso apaixonada pelo perigo.”
( Jean Genet. In: Diário de um ladrão )


No dia em que eu eclipsar-me
Minha faca vai: cortar o fogo.
Virarei uma víbora com dentes iguais
/aos da onça que fuma em meu sonho.
No dia em que eu eclipsar-me
/vou dar portada na cara.
De sangue no olho
/vou queimar essa civilização de papel.
No dia em que eu eclipsar-me
/vou cortar teu couro tão bem cortado
/que nem Deus vai conseguir costurar.

(rosa kapila)

ALGUMAS DOBRAS DE MIM

“Acordo todo dia pensando em
como evitar as pessoas”
( Morrissey )


Você com sua cara de museu morto quer
/ o que todo fantasma quer: um corpo.
Tenho tédio nessa manhã doente.
Se dependesse desse dia de hoje, eu passaria
/a vida na cama.
Infelizmente esse dia se gasta e eu tenho que
/procurar outro novo.
Ah se eu tivesse aquele enorme e lindo jardim
/dos caminhos que se bifurcam...
Me interrompa se você já ouviu isso.
Cheiro o pé seco de planta...

estou esperando escurecer
/para jogar o estuque fora.
Enfio minha papelada num espeto,

para me dar descanso.
Esses fragmentos explodindo

em minha cabeça,
fazem com que eu pergunte

“quem não tem doença?”
Consulto meu espelho

toda vez que entro no banheiro.
Vou me sentar por aqui e ver os alemães
/morrerem no filme.
Preparo meu mosquiteiro para a segunda
/manhã do dia.
Alguém me grita!
Que merda querem comigo?


(rosa kapila)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

IMPULSOS INSUPORTÁVEIS

“Se um autor escrevesse
apenas para a sua época,
eu teria que quebrar

minha caneta e jogá-la fora.”
( Victo Hugo )


Nenhuma aula de literatura
Vai dar conta de todas as pessoas

dentro de nós.
Fui refugiar-me em Santa Teresa
Nessa boca-de-noite canhestra.
Parece que há mil anos morei por aqui.
Quando sinto impulsos insuportáveis
/este é meu caminho.
Vi numa roda de malhação de judas
O bisneto de Augusto dos Anjos e no bonde
/a bisneta de Cora Coralina
só me falta dar de cara

com os sobrinhos de Bandeira.
Num encontro ancestral estaria Paraíba/

Pernambuco / e Goiás.
Paulo dos Anjos vem me beijar

cheio de farinha de trigo...
Ele é o ator principal

da peça que se desenrola
No Largo dos Guimarães.
Ai minha Santa Teresa saudades tenho de ti.
Desço a Ladeira pela André Cavalcante,
/ rua em que morou Carmen Miranda.
Com um pedaço de pau

afugento os cachorros...
Só então me recordo do sonho...

uma onça roubava /
os cigarros de Ícaro
e fumava tirando onda
/com minha cara.
Com “a neura”

do sonho voltei para as escadarias
/e subi no bonde que apontava.
Hoje não é meu dia
Eu detesto Hoje.
Eu quero matar/sangrar/

retalhar o dia de Hoje.
Hoje eu sou Anne Sexton

naquele poema-pesadelo
“A mulher do fazendeiro”:
“(...) e ela o desejava aleijado

ou poeta, ou ainda
/mais solitário,ou, às vezes,

melhor, meu amado morto.”
(rosa kapila)