sexta-feira, 20 de março de 2009

A OBRA VIVE DE SUA VIDA

“En la lucha de clases/ todas las armas/
son buenas/ piedras/ noches/poemas”
( Paulo Leminski )


Minha rede invisível me balança/
e meu poema-surdo, envelhece.
Meu coração está quebrado /
como o mármore do açúcar que acoberta o bolo...
por onde formigas felizes sobem e descem.

Cheiro a noite igual Jean-Baptiste Grenouille
de“O Perfume”.
Mas são minhas mãos que enxergam tudo...
E lá vou eu...cansada de meus irmãos Karamazov.
Minha doença me deixa intoxicada
em minha própria dor.
Meu ouvido pensante me diz:
eu gosto de doença
mas não gosto de remédio.

(rosa kapila)

POEMA ANOITEADO

“Quando eu crescer, vou morar /num monte de quartos grandes”
( Greta Garbo)

Daqui de casa quando escrevo/
meus poemas anoiteados/
sinto o cheiro do mar depois dos prédios

E fico com saudades de algumas/
conversas impossíveis.
Eu tenho que dormir
Mas estou tomada pelo medo dos mosquitos.
A dor nas costas é a pedra no sapato.
Uma talhada de melancia/
me tiraria dessa noite à toa/
e uma moranga com camarão/
seriam o que estou procurando agora.
Mas acho numa ruma de livros
“Sermão do Fogo” de Gautama

E continuo procurando o mundo/
de onde vem a poesia/
essa proteína complexa/
que me vitamina.

Quero um poema expresso/
quente pegando fogo/
quero o templo de Shiva/
dos cosmos de Walt Whitman.

Quero as Massas de Charles
Movendo-se
Movendo-se
Movendo-se

(Rosa Kapila)

HOJE SAÍ DISFARÇADA DE AGHATA CHRISTIE


“Aproveite os sucessos, mas estude os fracassos”( Paul Brunton )

Amanteguei o pão-canoaE, escanchada num tamborete alto,
/ diante do café branco e preto/
não sei o que procurar diante/
dessa lâmpada leitosa.
Olhei as facas na sacola do pedreiro.
Cortar com a própria letra seria/
uma obra perfeita.
Por essas e tantas outras idéias/
hoje saí disfarçada de Aghata Christie.

Na Praça Tiradentes “O come miolo”
de Teresina era uma aparição em meu caminho.
Lá vem o demônio de Dostoievsky “voando”
numa folha de jornal...
numa rua-vogal este satanás é aquele/
que deixou “a turma do porão”/
por 24 anos sem ver a luz do dia.
Talvez ele seja torrado 10 vezes
numa câmara de gás/ pelos austríacos.
Eu não escreveria aqui nesse caderno /
o nome daquele bibelô de cemitério.
É melhor que ele fique boiando na zona do agrião.

(Rosa Kapila)

domingo, 15 de março de 2009

QUAL O SENTIDO DOS DIAS SEM ESCRITA?

“O homem, sem nenhum apoio
e sem socorro algum,está condenado a todo instante a inventar o homem”(Jean-Paul Sartre. In: O Existencialismo é um Humanismo)

Para: Claudia e Wander Lourenço

Nesses dias pinto ovos e boto o poema /
no quarador de meu estendal.
Gosto também de assistir aquela família amarela/
na TV.Em Niterói estou com uma disposição danada/
para entrar em crise.
Todavia fiquei parada diante de um out door/
de um tigre de papel.Recuei.Minha vontade é:
- fugir dessa vulgaridade infernal- rugir- maldizer
a Terra toda.Suando...
como esse tigre molhado por uma nuvem /
chuveirando, lembro de meus amigos mortos e /
daqueles que mato agora.
Mato a todos que fingem/
que nunca existi.
Fiquei com o rim exposto à falta de deles.
Conquanto não guardo herança de abandono.
Luís Melodia cantou tão alto que beijei a pedra:
“sou forte feito cobra coral”
Investi toda a intensidade de meu desejo/
em poesia...
E lá vem Roland Barthes colocar azedume /
no cogito: na verdade, o que há “é a crise/
do amor pela Língua”Tudo é maya.
“Os negócios” atrapalham minha depressão/
é o vendaval do que não presta que me ataca.
É melhor mundiar por aí.
Ou subir na palmeira selvagem de Faulkner.

(rosa kapila)