quarta-feira, 23 de março de 2011

A QUENTINHA DO POMBO
“Primeiro, morrem nossos prazeres; depois, nossas esperanças; depois nossos temores. E, então, nossa dívida vence: O pó reivindica o pó, e morremos por nossa vez." (P. B. Shelley)
Comecei a fazer RPG para salvar-me de lordose, cifose e escoliose. Naquela manhã de junho deitei na esteira da frente e lá estava um esqueleto branco me olhando e a seu lado um belo e colorido mapa do corpo inteiro. Então, deitada, respirando com a turma e, olhando para a doutora Kely eu tive a ideia de escrever um livro sobre todos os ossos do corpo.
Ainda na clínica fui ao otorrino para limpar meu ouvido direito. Segurei uma vasilha grande de aço inoxidável em formato de orelha. Doutor Samir colocou um jato de algum líquido em meu ouvido, depois pediu que pendesse bem a cabeça para o lado direito. De dentro de meu ouvido saiu: bolas de algodão, tufos de cabelo e umas pedras amarelas que, julguei serem de cerume. Passei a ouvir porque eu andara surda. Achei tudo muito podre. Doutor Samir não mexia um músculo e perguntei se era normal sair de dentro de mim uma nojenteza sem par.
“Já tirei até pedaço de madeira de ouvidos. Sujeiras dentro de nossos corpos fazem parte do ser vivo.”
Depois de tanta luta corporal eu teria que ir a Angra dos Reis ainda naquele dia resolver uns problemas de concurso. Fui até O Castelo e entrei em um frescão. Viajei ao lado de Cleide, assim a moça ao meu lado se apresentou. Notei que ela queria entabular conversas, histórias, literatura barata e outros babados. Pedi para trocar de lugar para ouvi-la melhor, pois meu ouvido agora, limpo, estava doendo. Contei como fora minha manhã para ela. A moça vinha de Minas Gerais, não me falou a cidade. Disse-me que a viagem até Angra estava lhe causando uma canseira danada, porém tinha que ver sua avó que completaria cem anos.
Cleide era enfermeira aposentada devido um acidente que sofreu na Via Dutra. Ela voltava do trabalho no Centro do Rio e frisou muito que amava a profissão, entretanto estava inválida. Era cinco horas da manhã, Peteleco, o motorista...(...)”até hoje não sei como era o nome daquele satanás “ – falou com bastante raiva. O motorista da van parecia dormir; fez um ziguezague na pista e atropelou uma vaca preta. Muito tempo depois do acidente, David, o dono da vaca preta queria matá-lo. Jurou Peteleco de morte e que o procuraria até no inferno. Observo Cleide muito espavorida... se ajeita na cadeira, fica em pé e, logo senta com postura de bailarina. No dia do acidente, Cleide estava na frente da van, sentada ao lado de Peteleco. No atropelamento a vaca preta quebrou o vidro da van e entrou no corpo de Cleide. Em cinco minutos apareceu gente de todo lado com: cutelo, faca, facão, faquinha, machado e canivete. Teve muita briga e disputa na hora de cortarem a vaca. Cleide gemia de dor assistindo ao espetáculo do corte da famosa vaca preta de David. Finalmente sobraram apenas os chifres e o povo foi embora. Cleide urrava pedindo socorro! Peteleco a colocou em um táxi que passava, deu um dinheiro ao motorista e disse: “toca com esta mulher pra qualquer hospital.Vaza!”. As pessoas na van sequer sofreram um arranhão, muito menos Peteleco. Cleide usa oitenta parafusos no corpo e anda de bengala. Não recebeu indenização e o motorista da van se intrigou com ela. Quando o acontecimento completou dez anos, Cleide disse que faria justiça. Contratou um matador de aluguel. Peteleco levou doze tiros e morreu. Comigo ela festejou o homicídio; porque sou desconhecida. Ela disse-me que falou um nome falso pra mim. O fato aniversariava dez anos. Ela disse-me que estava comemorando comigo; pois não podia contar pra todo mundo, mas a vontade era espalhar outdoor no mundo inteiro. Com todo esse tempo passado quem desconfiaria dela? David ia matar o homem que já havia morrido. Cleide já não morava mais em Angra dos Reis. Encheu a boca: “vingança é a melhor coisa do mundo”. Falou isso dando três pancadinhas em minha coxa. “E tem mais: sempre fui uma pessoa de moral inabalável, tenho uma ética tão grande que seria difícil atribuírem a mim o assassinato daquele monstro”. Quando descemos do ônibus Cleide convidou-me para irmos a um boteco comer uma quentinha. Comecei a comer e não saía a vaca preta de minha cabeça. Havia um pombinho só, me olhando... dei a quentinha pra ele. Me despedi de Cleide ali, no boteco. Lembrei-me de Edgar Allan Poe – existe o crime perfeito. Um dia eu soube que um motorista de van foi fuzilado. Eu também ando muito de van e faço pesquisas sobre esse tipo de transporte. O crime foi perfeito e, eu agora tenho mais um segredo para guardar.

domingo, 6 de março de 2011

SINTO O CHEIRO DO ALMÍSCAR DO RATO SELVAGEM
“Quando o rato ri do gato há um buraco perto.”
( Provérbio Africano )
Dedico este poema a minha querida amiga
Bárbara Vasconcellos ( a famosa Babete )

Rio de cá me leva, estrondos, raios-trovões.
Ônibus sacoleja
Medo Allandiano de emparedamento.
Ajudem-me: Zeus, Homero, Erza Pound, Anne Sexton
Santa Bárbara.
Soluço.
Tampo um buraco da narina.
Vai-te com a chuva.
A Intendente Magalhães: Mar do Alasca.
Guarda chuva, um coque de aço.
Vento, chuva, trovões, raios, brigam numa
/luta de brilho-escuridão.
Permito me chamar milagre da natureza, sem espalhar
/blasfêmias.
Parafusos invisíveis rosqueiam meus lábios.

Obs: coque, em engenharia, é um tipo de
/combustível derivado do carvão betuminoso.