O MELHOR DO
NADA SOBRE TUDO ( ROMANCE DE ROSA KAPILA -17/8/2012
O porco
De acordo
com o Abade de Baçal (que um dia será apaixonado por Taciana), há na província
de Trás-os-Montes umas esculturas zoomorfas em pedra, granítica, representado
quadrúpede, conhecidos pelo nome de Porcos ou Porcas, segundo indica a marcação
sexual, nitidamente definida em muitos exemplares, se bem que noutros é
incognoscível.
Idênticas
esculturas se encontram nas vizinhas províncias espanholas de Salamanca e
Zamora, que etnograficamente, em parte, tem muita parecência tem com aquelas.
Em Portugal,
fora da região transmontana, são desconhecidos. E
Estes
monumentos, segundo Martins Sarmento dá
notícia de duas cabeças de porcos encontradas na exploração que fez das ruínas
de Sabrosa. Encontra-se a sua fotogravura nas Religiões da Lusitânia, vol. 3,
p.30.
Taciana
aporta em Bragança e quer saber dessas
histórias para ver se arma uns planos de trabalhar com elas e tirar proveito.Parece
que em
Bragança é
onde tem mais: são já conhecidas
dezesseis enquanto que no de Vila Real se conhece a Porca de Murça e duas inéditas que conheceremos na sequência . Na província de
Zamora conhecem-se duas: uma delas é de San
Vitero, e na de Salamanca tem dez e mais uma desaparecida. Quer dizer: só o
distrito de Bragança, à sua parte, conta mais esculturas deste tipo do que o
resto da província transmontana e as duas vizinhas espanhola de Zamora e
Salamanca.Taciana decide ir às bibliotecas pesquisar essa história de “tanto porco e porca”.
Encontra em seu caminho na biblioteca
uma jovem bem apessoada e pergunta:
“você sabe
me dizer se existem pessoas que fazem a
limpeza das estátuas de porcos e
porcas?”
“Não sei te
dizer mas posso te dar o endereço de um museu que talvez te informe melhor”.
Agradece e vai conversar com a bibliotecária e com esta adquire mais
informações.
A
bibliotecária explica: “em algumas partes aparecem estas esculturas ligadas a
pelourinhos, como a Porca da Vila de Bragança, que serve de suporte ao desta
cidade, e a da Torre de D. Chama, mas nenhuma relação tem uma coisa com outra:
os pelourinhos são medievais e posteriores e os quadrúpedes em questão remontam
à pré-história, contando, portanto, milênios de antiguidade. Tem grande
importância como documentação, primária talvez, da arte ibérica, além do
significado étnico.
Aos porcos
ou Berrões transmontanos correspondem em algumas províncias ibéricas outras
esculturas zoomorfas, representando bois, cavalos, gatos,
e leões. Na
Espanha dão o nome genérico de Toros de Guisando, tipificados nos existentes em
Ávila. oran, acima citado, menciona, além dos porcos, mais dois touros
existentes na província de Salamanca e seis desaparecidos por culpa de um
idiota iconoclasta, governador de Salamanca, que os mandou despedaçar devido a
supô-los símbolos ignominiosos colocados por Carlos I, nas povoações insurgidas
contra ele durante a Guerra das Comunidades.”
“Será que
precisam de funcionários nessas cidades para dar banho aos bichos e deixá-los
brilhando que nem ouro?” - pergunta
Taciana. “Creio que sim pois eles não veem água e sabão há séculos”. “Dizem que
o porco teve grande prestígio na
antiguidade: entre os doze trabalhos de Hércules conta-se o de haver segurado
na corrida e morto um javali que assolava o país de Erimanto; era insígnia
militar dos soldados espanhóis de cavalaria, e ainda algumas moedas de Clúnia
do tempo dos romanos tem por divisa um javali; nos sacrifícios a Ceres
imolava-se-lhe um porco, e «à Deusa romana Tellus, a terra, se sacrificava uma
porca, a porca praecidanea».
Torre de
Dona Chama: Na vila deste nome, concelho de Mirandela, sitio chamado Largo do
Pelourinho, há em granito uma escultura representando um suíno, a que o povo,
dá o nome de Berroa e Ursa.. Tem de comprimento 1,60m de altura 0,92 e de
largura 0,36.
Não há
dúvida de que os nossos antepassados ainda no século VI, embora cristãos,
adoravam os animais: ratos, traças, formigas e outros, segundo usanças que lhes
vinham do paganismo (1499); ainda acreditavam, como se vê da obra do bispo
bracarense São Martinho, abaixo citada, que quem estava farto e contente no
principio do ano, tinha a mesma satisfação garantida para todo ele, de onde as
festas celebradas nesta época, às quais nos referimos noutra parte; nas vozes e
cantos das aves (1500); em adivinhações e agouros; na eficácia das palavras
mágicas e versos, nos malefícios e encantamentos feitos com ervas e fórmulas de
feitiçarias; ainda enfeitavam as mesas, deitavam frutos e vinho no lume, pão na
fonte, evitavam certos dias como nefastos (hoje, terças e sextas-feiras); ainda
prestavam culto e certos penedos, árvores, fontes e encruzilhadas, de caminhos,
acendendo lá velas. Ainda conservavam várias superstições gentílicas que o
santo aponta e, coisa curiosa, ainda hoje achamos abundantes restos dessas
superstições entre o nosso povo, que mantém intacta a teologia pagã a par da
cristã, apesar da guerra que esta lhe move vai em vinte séculos. O cristianismo
não acabará jamais, enquanto houver homens, como dizemos nós, os católicos, mas
é necessário confessar que o paganismo e as outras religiões participam da
mesma imortalidade.Taciana saiu da biblioteca direto para a mansão do Abade de Baçal. Foi apresentada pelos guardas
ao Barão. “O que traz aqui uma jovem tão bela e bem disposta?” – pergunta o
Barão.
“Meu senhor
passo por dificuldades financeiras e tive uma ideia de ser limpadora das
estátuas das cidades. As mesmas são belos monumentos mas ninguém os limpa. Isso
não é bom para o turismo.”
“Equanto
cobraria por esse serviço?”
“O que
merecer ganhar.”
“Estás empregada.
Podes começar amanhã. Os lacaios te passarão
os ingredientes para a limpeza.”
“Obrigada
meu senhor”
“Já tens
lugar pra morar?”
“Ainda não
meu senhor.”
“Pois os
lacaios te arranjarão um belo lugar, como merece sua formosura.”
“Bom dia
senhor e fique com as aves.”
Até aqui 8
de dez. de 2011.
A veneração e adoração dos animais, plantas e
fontes começou naturalmente por ser um acto de reconhecimento do homem aos
benefícios recebidos desses seres. É natural que o homem estimasse como santa a
fonte que nas regiões áridas lhe matava a sede ou curava as doenças; a planta
que lhe fornecia alimentos ou recursos terapêuticos; o animal que por razões
especiais, se lhe tornava prestadio, etc. Daqui ao culto, à adoração, a
reconhecer predicados de nume tutelar, vai um passo, principalmente em
espíritos materializados. Os mais elevados em concepção espiritual para lá
caminham, vendo nestas criaturas a providência do Criador.
2. ALHEIRA -
ESPECIALIDADE TRADICIONAL GARANTIDA
Enchido
tradicional fumado, cujos principais ingredientes são a carne e gordura de
porco, a carne de aves (galinha e/ou peru) e pão de trigo, o azeite e a banha,
condimentados com sal, alho e colorau doce e/ou picante. Podem ainda ser usados
como ingredientes a carne de animais de caça, a carne de vaca e o salpicão e/ou
o presunto envelhecidos.
É um enchido
com formato de ferradura, cilíndrico, sendo o interior constituído por uma
pasta fina na qual se apercebem pedaços de carne desfiadas e cujo invólucro é
constituído por tripa natural, de vaca ou de porco.
O uso da
menção Produto Específico obriga a que o enchido seja produzida de acordo com
as regras estipuladas no caderno de especificações, o qual inclui,
designadamente, o processo de produção.
Comercialmente
este enchido pode apresentar-se acondicionado em embalagens de cartão, de
plástico ou de PVC, ou de outros materiais próprios para entrar em contacto com
géneros alimentícios, em atmosfera normal, controlada ou em vácuo. A rotulagem
deve cumprir os requisitos da legislação em vigor, mencionando também a menção
Produto Específico. A Alheira de Mirandela deve ostentar a marca de
certificação aposta pela respectiva entidade certificadora.
História
Foi
inventado pelos judeus como artimanha para escaparem às malhas da Inquisição.
Como a sua
religião os impedia de comer carne de porco, eram facilmente identificáveis
pelos seus perseguidores pelo facto de não fazerem nem fumarem os habituais
enchidos de porco.
Assim,
substituíram a carne de porco por uma imensa variedade de carnes, que incluíam
vitela, coelho, peru, pato galinha e por vezes perdiz, envolvidos por uma massa
de pão que lhes conferia consistência.
A receita acabaria
por se popularizar entre os cristãos, mas estes juntavam-lhe a omnipresente
carne de porco. Embora a ligação da alheira com os cristãos novos seja uma
romântica ideia popular, não há factos completamente concludentes e não são
grandes as probabilidades de se lhes poder atribuir a sua invenção. O ciclo de
produção de fumeiros caseiros era, e é, directamente ligado aos animais que se
criam para consumo próprio.
Embora a
ligação da alheira com os cristãos novos seja uma romântica ideia popular, não
há factos completamente concludentes e não são grandes as probabilidades de se
lhes poder atribuir a sua invenção. O ciclo de produção de fumeiros caseiros
era, e é, directamente ligado aos animais que se criam para consumo próprio.
Hoje, as
mais afamadas são as de Mirandela, mas por toda a Beira Alta e Trás-os-Montes
se fazem alheiras artesanais de excelente qualidade.
Geralmente
são fritas em azeite e servidas com legumes cozidos. Mas também podem ser
estufadas, depois de envolvidas em couve lombarda.
A Associação
Comercial e Industrial de Mirandela e a Câmara Municipal de Mirandela organizam
desde 1998 uma Feira da Alheira no mês de Março como forma de atracção dos
forasteiros que vão em direcção ou vêm da tradicional Amendoeira em Flor.
O Aviso n.º
2259/2006 (2.ª série), de 21 de Fevereiro de 2006, diz respeito ao pedido de
registo de indicação geográfica e diz o seguinte:
I - De
acordo com o disposto no n.º 2 do anexo I do Despacho Normativo n.º 47/97, de
11 de Agosto, faço público que a Associação Comercial e Industrial de
Mirandela, com sede na Praça do Mercado, Porta Central, 5370 Mirandela,
requereu o registo de Mirandela como indicação geográfica para alheira. Do
pedido de registo e do caderno de especificações que o suporta constam as
seguintes definições e restrições.
II -
Entende-se por alheira de Mirandela o enchido tradicional fumado cujos
principais ingredientes são a carne e a gordura de porco da raça Bísara ou
produto de cruzamento desta raça com as raças Landrace, Large White, Duroc e
Pietrain (desde que 50% de sangue Bísaro), a carne de aves (galinha e ou peru),
o pão de trigo, o azeite de Trás-os-Montes e a banha, condimentados com sal,
alho e colorau doce e ou picante. Podem ainda ser usados como ingredientes a
carne de animais de caça, a carne de vaca e o salpicão e ou o presunto
envelhecidos.
Características
físicas:
Forma e
aspecto exterior - enchido cilíndrico em forma de ferradura com cerca de 20 cm
a 25 cm de comprimento e de cor castanho-amarelada. A tripa, sem rupturas,
apresenta-se aderente à massa; as duas extremidades são ligadas por um fio de
algodão;
É
exteriormente perceptível a existência de pedaços de carne, face à cor e
textura que apresentam;
Diâmetro - 2
cm a 3 cm;
Peso
aproximado - entre 150 g e 200 g;
Cor e
aspecto ao corte - pasta grumosa, onde se apercebem pequenos pedaços de carne
desfiada;
Cor interior
- castanho-amarelada, de tonalidade não homogénea.
Características
químicas:
Proteína:
superior a 14%;
Humidade:
inferior a 50%;
Gordura:
inferior a 18%.
Características
sensoriais ou organolépticas - sabor e aroma: sabor agradável, levemente
fumado, muito característico, onde se destaca a condimentação do alho e do
azeite. Aroma levemente a fumado agradável.
As alheiras
de Mirandela não são consumidas tal-qual, devendo ser grelhadas ou assadas, de
preferência, em "lume de carvão", antes de serem consumidas.
Apresentação
comercial - a alheira de Mirandela só pode ser comercializada acondicionada em
embalagens de cartão, de plástico de PVC ou de outros materiais próprios para
entrar em contacto com géneros alimentícios, em atmosfera normal, controlada ou
em vácuo. Sempre que haja lugar a pré-embalagem, esta é efectuada de modo a
conservar as características hígio-sanitárias e sensoriais durante o período
normal de armazenamento e venda.
Para além
das menções presentes na legislação geral sobre a rotulagem de géneros
alimentícios e das constantes na legislação sanitária, devem constar sempre, na
rotulagem da alheira de Mirandela IGP, as seguintes menções:
Alheira de
Mirandela - IGP;
Nome, firma
ou denominação social e morada do produtor;
Marca de
certificação;
Logótipo
comunitário a partir da decisão comunitária;
Logótipo da
alheira de Mirandela.
III -
Delimitação das áreas geográficas de produção da matéria-prima, de transformação
e acondicionamento.
Tendo em
conta que a produção da alheira de Mirandela requer carne de porco da raça
Bísara (ou cruzamento com esta raça, desde um dos progenitores seja desta
raça), devido a esta possuir uma maior quantidade de gordura intramuscular, com
um bom equilíbrio na relação ácidos gordos insaturados-saturados e
predominância do mono-insaturado oleico, revelando-se um elevado atributo
sensorial e tecnológico, que se traduz numa excelente aptidão para a
transformação de produtos de alta qualidade, a área geográfica de produção de
matéria-prima fica assim também naturalmente delimitada à área de exploração do
porco de raça Bísara, designadamente os concelhos de Alijó, Boticas, Chaves,
Mesão Frio, Mondim de Basto, Montalegre, Murça, Régua, Ribeira de Pena,
Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Vila Pouca de Aguiar, Valpaços e Vila Real,
do distrito de Vila Real, e os concelhos de Alfândega da Fé, Bragança,
Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Miranda
do Douro, Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Vimioso e
Vinhais, do distrito de Bragança.
Tendo em
conta as condições climáticas requeridas para a transformação da alheira de
Mirandela, nomeadamente as necessárias à realização do processo de fumagem, no qual
é utilizada lenha típica da região (carvalho e oliveira), o saber-fazer das
populações baseado em métodos locais, leais e constantes, o uso do pão regional
de trigo, cujo segredo de fabrico permaneceu inalterado ao longo de múltiplas
gerações de padeiros, a área geográfica de transformação e acondicionamento
está circunscrita ao concelho de Mirandela.
As demais
condições de produção e de rastreabilidade, as exigências de controlo, os
factores históricos, edafo-climáticos, etc., constam do respectivo caderno de
especificações.
IV -
Qualquer pessoa singular ou colectiva que alegue um interesse económico
legítimo pode consultar o pedido de registo, dirigindo-se, durante o horário
normal de expediente, a qualquer dos seguintes serviços:
Instituto de
Desenvolvimento Rural e Hidráulica, Divisão de Promoção de Produtos de
Qualidade, na Avenida dos Defensores de Chaves, 6, 1049-063 Lisboa;
Direcção
Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, Direcção de Serviços de
Desenvolvimento Rural, Centro do Valongo, Quinta do Valongo, 5370 Mirandela;
Direcção
Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, Direcção de Serviços de
Desenvolvimento Rural, Estrada Exterior da Circunvalação, 11 846, Senhora da
Hora, 4450 Matosinhos;
Direcção
Regional de Agricultura da Beira Litoral, Biblioteca, Avenida de Fernão de
Magalhães, 465, 3.º, 3000 Coimbra;
Direcção
Regional de Agricultura da Beira Interior, Biblioteca, Rua de Amato Lusitano,
13, 6000 Castelo Branco;
Direcção
Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, Rua de Joaquim Pedro Monteiro, 8,
2600 Vila Franca de Xira;
Direcção
Regional de Agricultura do Alentejo, Divisão de Documentação e Informação,
Quinta da Malagueira, apartado 83, 7001 Évora;
Direcção
Regional de Agricultura do Algarve, Direcção de Serviços de Desenvolvimento
Rural, Braciais, Patacão, 8000 Faro;
IAMA,
Divisão de Apoio Técnico, Rua do Passal, 150, 9500 Ponta Delgada, Açores;
Direcção de
Serviços de Agro-Indústrias e Comércio Agrícola, Edifício Golden, Avenida de
Arriaga, 21-A, 9000 Funchal, Madeira.
V - As
declarações de oposição, devidamente fundamentadas, devem dar entrada em
qualquer dos serviços referidos no n.º II, no prazo de 30 dias a contar da data
de publicação deste aviso no Diário da República.
26 de
Janeiro de 2006. - O Presidente, C. Mattamouros Resende.
3. A MATANÇA
DO PORCO
A matança do
porco, embora sem a importância que teve outrora, continua a realizar-se no
concelho de Mirandela, a qual obedece a um certo ritual. Realiza-se sobretudo nos
meses de Dezembro e Janeiro quando o frio cria condições propícias para tal.
A Junta de
Freguesia do Romeu organiza todos os anos no mês de Janeiro uma matança do
porco que pretende ser um momento de convívio entre todos os habitantes da
aldeia e entre estes e os forasteiros convidados. A única diferença é que os
porcos aparecem já mortos e esquartejados ao local do repasto.
No site
http://www.braganca.net/, encontramos uma descrição interessante da matança do
porco na aldeia de Barroso, uma tradição secular no distrito de Bragança e
noutras regiões de Portugal.
«Foi numa
manhã fria de Dezembro que assisti à tradicional matança do porco na casa da
minha avó Maria...
Muito cedo
chegou o meu tio Carlos e a minha tia Ana que iriam ajudar nas tarefas, que
pelo que me disseram, seriam muitas. Chegou também o sr. Francisco com uma
enorme faca debaixo do braço. Tinha fama de matar os porcos rapidamente e era
ele que matava quase todos os porcos da aldeia. Por fim chegaram o tio Chico e
dois vizinhos.
Entraram e
comeram figos, pão e azeitonas que acompanharam com um copo de aguardente para
se aquecerem um pouco (como se não bastasse a enorme fogueira de lenha de
carrasco que a minha avó já tinha acendido).
Depois
saíram, foram buscar o porco à loja encaminharam-no para a porta da curralada
onde já estava um agrade e alguns feixes de palha.
Nesse
momento, chegou a minha mãe com uma bacia com um pouco de pão e vinagre
espalhados no fundo. Explicaram-me que o tacho serviria para aparar o sangue e
o pão e o vinagre para impedirem que o sangue tralhasse (coagulasse). Agarraram
o porco e colocaram-no sobre o agrade. O senhor Francisco pôs em prática toda a
sua habilidade e, de uma vez só, espetou a sua enorme faca no pescoço do porco
provocando uma diminuição na força com que o infeliz se debatia e um grande
arrepio em mim. A minha mãe aparava o sangue na bacia dando-lhe volta com um
ritmo compassado à medida que ia acrescentando alguma água.
Quando o
porco parou de se debater, pegaram fogo à palha de centeio. Com calma, foram
chamuscando o pelo do porco e depois a sua pele, esfregando-a com sabão e com
cortiça e raspando-a com facas. Aqueceram as unhas e arrancaram-nas. Depois de bem lavado, viraram-no de barriga para
cima e começaram a abri-lo.
A minha tia
Ana chegou para levar as asinhas do coração ("senão o fumeiro
voava"), as pontas das costelas, o fígado e barbada que iria estufar.
Depois de
retiradas as tripas a minha mãe tirou-lhes alguma gordura, enquanto estavam
quentes, que seriam fervidas numa panela (rojões).
Os homens
penduraram o porco usando uma estaca com uma gancha, que fizeram passar pelo cu
do porco e se prendia no queixo do mesmo. A estaca foi encostada a uma esquina,
ficando o porco ao alto uma vez que não havia uma trave para o pendurar. Depois
entravaram e comeram o estufado de carne e o sangue cozido (cortado em cubos
com alho, azeite, vinagre e pimento doce), enquanto se preparava o almoço.
O almoço
consistiu num prato de arroz de couve branca, acompanhado com salpicão do ano
anterior feito com a tripa do cu e ovo cortados às rodelas, ambos colocados por
cima do arroz. Sopas feitas com pão migado e amolecidas com o caldo dos potes
de ferro que fervem na lareira. Regadas com azeite a ferver que fazia um som
característico ao cair sobre o pão já húmido (sopas do chize), com sangue
cozido esfarelado por cima.
Depois do
almoço a minha mãe e a minha tia foram lavar as tripas para o ribeiro na Veiga.
Utilizavam uma verga de olmo para virar a tripa (pau de virar tripas)
permitindo a lavagem do interior. A água estava muito fria e o cheiro também
não era nada agradável.
Aproveitei o
tempo e perguntei-lhes quais seriam as fases seguintes na conservação da carne
do porco. As alheiras só se faziam depois de desmanchar (desfazer) o porco
(normalmente no dia seguinte). Também eram separadas as carnes (para salpicões,
bochas, linguiças e bulhos). A maior parte da carne seria conservada em
maceiras com sal.
Perguntei
também qual seria o processo para fazer os salpicões que eu tanto gostava de
comer na casa da minha avó. Primeiro preparava-se um alguidar com suça (água,
sal, alho, louro, casca de laranja, um copo de vinho (ou mais)). As carnes
ficavam na suça um dia ou dois. No acto de encher as tripas juntava-se algum
pimento às carnes.
Cheguei à
conclusão de que o dia da matança do porco era um dia cheio de trabalho, mas
também um dia cheio de alegria e alguma festa. Percebi que todas as fases se
desenvolviam com calma como num ritual.
Percebi também que o porco, nas diferentes formas em que é conservado, ocupa um
lugar muito importante na alimentação ao longo de todo o ano».
Cristina
Cerqueira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho,
apresentou no IV Congresso Português de Sociologia uma intervenção sobre a
matança do porco. Diz ela que a matança do porco, além do seu contributo
fundamental para as economias doméstica e aldeã tradicionais, desempenha uma
função social relevante na nova configuração social das comunidades rurais a
partir da década de setenta. A tradição da matança, defende ela, só se
consolidou a partir da década de sessenta com a emigração. Só a partir de então
é que toda a gente começou a matar o seu porco. Antigamente toda a gente era
pobre e muitos nem tinham porco para matar. Os ricos é que lhes davam alguns
bocadinhos de porco para que fossem comendo algum também.
O Abade de
Baçal relata que em Trás-os-Montes, o facto de não ter porco para matar era um
bom indicador do estatuto social de “pobre”: «É corrente para indicar a
precária condição de uma família o dizer-se: - “é tão pobre que nem matou!”,
acrescentando que o porco é então a “caixa económica” dos transmontanos.
Entre os
finais do século XIX e o início dos anos sessenta, a festa da matança
“tradicional” é uma pequena festa familiar ou uma refeição de trabalho festiva
ou um cerimonial conjugando estes dois tipos de festa. Esta refeição é
sobretudo constituída de partes do porco mais perecíveis que não serão salgadas
nem fumadas (sangue, fígado e às vez pulmão) e carne de porco velha. Essa
escassez é ironicamente referida pelo provérbio: “Ossos da suão, barba untada,
barriga em vão”.
A festa da
matança ou ceia da matança é um fenómeno recente, distinguindo-se as pequenas,
médias e grandes, consoante o poder económico dos proprietários. Nas pequenas,
além dos membros da casa, estão presentes convidados da esfera aldeã: familiares
residentes na aldeia, vizinhos e amigos, ou seja, entre 10 a 20 pessoas. Nas
médias participam convidados de outras aldeias assim como parentes não
residentes na aldeia (30 a 40 pessoas). Nas grandes festas os convites
estendem-se à esfera do concelho (40 a 100 pessoas).
As pequenas
e médias matanças têm como função contribuir para o estreitamento do pequeno
núcleo produtivo, reafirmando os laços sociais no seio da sua esfera habitual
de entreajuda. As grandes são uma oportunidade para as “antigas casas grandes”
de manter o seu capital de prestígio ao reafirmarem de modo ostentatório o seu
poderio e riqueza.
Segundo
Alzira Simões, do ISLA de Leiria, o porco detém na cultura e na sociedade
portuguesas uma importância a vários níveis, sobretudo económico, simbólico e
cultural. Foi uma das primeiras espécies a ser domesticadas. Foi, desde sempre,
um dos animais domésticos cuja criação e consumo maior relevo possuiu e possui
entre os portugueses. Existem imensas amostras proverbiais e gastronómicas
sobre o porco, a quem se reconhecem as seguintes qualidades:
· Grande
fecundidade, facilidade reprodutiva e precocidade;
·
Extraordinária capacidade de adaptação ao meio ambiente;
·
Proporciona um óptimo rendimento;
·
Possibilita várias utilizações.
Ela vê o porco
como um animal simbólico e que identifica a personalidade do povo português.
Hugo Sarmento vê no povo português a indolência e a passividade que se atribui
ao porco. Tanto é idolatrado como conotado negativa e pejorativamente. O porco
é praticamente sinónimo de dorminhoco, teimoso, egoísta, invejoso, manhoso,
rabão, voraz, sujo, imundo, etc. Mas também é apreciado e desejado quer a nível
económico que a nível gastronómico, sendo símbolo da abundância, da abastança e
da riqueza económica.
O porco aparece
representado em diversos artefactos, artesanais ou industriais, como os
mealheiros, as tábuas de cozinha, os paliteiros, os saleiros e pimenteiros, os
porta-chaves, etc.
A ele estão
ligadas também expressões antropónimas e metafóricas com valência sócio-culturais
desfavoráveis como porcaria, porcalhona, marrão, marranço, gordo como um porco,
só se lava quem é porco, teimoso como um porco, dormir como um porco, sangrar
como um porco, etc.
Conclui a
autora que o porco é um Animal Social Cultural Total, devido aos seus
simultâneos cambiantes lúdicos, laborais, económicos e gastronómicos, à
preservação de laços de parentesco e de relações de vizinhança e ao fomento da
solidariedade e da cooperação.
As
tradicionais matanças estão a desaparecer. Já são muito poucos os que seguem à
risca os rituais que estavam por trás desta prática comunitária, em que
participavam amigos e familiares. Mais do que uma festa que dura o dia inteiro,
agora, a matança é um acto quase mecânico, que dura apenas umas horas. Em muitas
aldeias esta tarefa já é feita por equipas que se especializaram neste
trabalho, pelo qual cobram entre 20 a 25 euros por porco. Por dia, estes homens
chegam a fazer 20 matanças. E os seus principais clientes são idosos que já não
têm forças para a tarefa, mas que “não passam sem as chouricitas e os
presuntos”.
Curiosidades
da Matança do Porco
- As
mulheres e as crianças não deviam assistir à matança. As expressões de
"coitadinho" influenciavam o matador. Também se pensava que o porco
"encolhia o sangue".
- As
mulheres com a menstruação não mexiam na carne, apenas podiam ajudar a fazer o
almoço.
- No dia da
matança eram distribuídos pelas casas dos vizinhos pratos com algumas
variedades de carnes para que todos provassem da matança.
- Os pés e
as orelhas eram comidos no Carnaval (com arroz de espigos de couve).
- Com a
gordura (unto) que envolve os
intestinos, depois de pisada com um maço de madeira juntando sal e colorau,
fazia-se uma bola que envolta por uma membrana retirada da mesma gordura,
servia para barrar o pão (quando ainda não havia manteiga).
Alguns ditos
populares:
- "Das
carnes, o carneiro, das aves, a perdiz e sobretudo a codorniz, mas se o porco
voara não havia carne que lhe chegara";
- "Quem
tem porcos tem chouriços e presuntos";
- "Rico
como um porco";
-
"Queres conhecer o teu corpo? abre ou desmancha o teu porco";
-
"Homem e porco só dão lucro depois de mortos";
-
"Lavar o focinho a porcos, as orelhas a burros, pregar a padres e
converter judeus, é tempo perdido";
-
"Leitão de mês, cabrito de três, mulher de dezoito, homem de vinte e
três",...);
- “Morto por
morto, antes a abelha que o porco”;
- “A raça é
nobreza, a cabra é mantença, a ovelha riqueza, mas o porco é tesouro”
- “A cada
bacorinho, vem seu S. Martinho”;
- “No dia de
S. Martinho, fura o teu pinho, mata o teu porco, assa castanhas e prova o teu
vinho”;
- “Em
chegando o Santo André, quem não tem porco marta a mulher”;
- “No dia de
Santo André vai à esquina e traz o porco pelo pé”;
- “A cada
porco chega São Tomé”;
- “Em dia de
São Tomé, vão os porcos à pilê”
- “Pelo São
Tomé quem não tem porco prende o marido pelo pé”;
- “Porco no
São João, se meão se achar podes continuar, se mais de meão acanhar a ração”
- “Por São
Lucas, mata teus porcos e tapa tuas cubas”;
- “Bajulada
de cão faz menino são, bajulada de porco faz menino morto”;
- “O leitão
e o pato dos velhos fazem novos”;
- “Em
Janeiro, o boi e o leitão engordarão”;
- “O boi e o
leitão em Janeiro criarão rincão”;
- “Porca com
três meses, três semanas, três dias e três horas, bacorinho fora”;
- “Quem bebe
demais representa três animais: macaco ou porco ou leão”;
- “ Lavar o
focinho a porcos, as orelhas a burros, pregar a padres e converter judeus, é
tempo perdido”;
- “Dar
pérolas a porcos”;
- “Quem se
mistura com porcos come lavagem”;
- “Judeu e
porco, algarvio e mouro – são quatro nações e oito canalhas”;
- “Nem
moinho por contínuo, nem porco por vizinho”.
- Amigo
velho, toucinho e vinho velho;
- Bácoro em
Janeiro com seu pai vai ao fumeiro;
- Bácoro de
meias não é meu;
- Bácoro
fiado, bom Inverno e mau Verão;
- Com um
pedaço de toucinho, leva-se longe um cão;
- Cozido sem
toucinho e mesa sem vinho não valem um tostão;
- Aí é que a
porca torce o rabo;
- A mau
bácoro, boa lande;
- Anel
(arganel) de ouro em focinho de porco;
- Ao porco e
ao genro, mostra-lhe a casa, e ele virá
cedo;
- A porca,
apenas lavada, revolve-se na lama;
- A porco
gordo, unta-se-lhe o rabo;
- Atar e pôr
ao fumeiro, como o chouriço da preta;
- Cabrito e
leitão de um mês, e cordeiro de três;
- Carne
magra, de porco gordo;
- Fogo
viste, linguiça!
- Leitão com
vinho torna-se menino (tenrinho);
- Leitão de
mês, cabrito de três, mulher de dezoito e homem de vinte e três.
Nenhum comentário:
Postar um comentário