sábado, 16 de abril de 2011

PREFÁCIOS DE ROSA KAPILA
LIVRO: O.G. DE REGO DE CARVALHO – FORTUNA CRÍTICA.
ORGANIZAÇÃO & APRESENTAÇÃO DE KENARD KRUEL. EDITORA ZODÍACO – TERESINA-PIAUÍ (2007)

“A ESTRELA E A TEMPESTADE”
“Senti sintomas deveras inquietantes causados pelo ato
só de escrever.”
( Mallarmé)

Não cabe nas dimensões dessa breve apreciação ao livro “O.G.Rego de Carvalho (Fortuna Crítica) de Kenard Kruel “ uma discussão sobre a teoria do romance. Atentamos para a desdobra de inúmeras teses que observaram a subversão das convenções dominantes elaboradas por O. G. Rego de Carvalho, em seus enredos.
Sabe-se que a percepção da obra de arte não se dá de modo direto. Modernamente, a figura do leitor é resgatada; até porque o leitor não é uma construção do texto mas certas interpretações vingaram no tempo e foram depois contestadas e muitas tornaram-se descartadas do juízo literário. Mas leitores estabelecem estratégias de interpretação que acabam por orientar a leitura, mesmo de um texto ainda não conhecido.
O mundo das possibilidades da narrativa de O. G. Rego de Carvalho mostra uma intimidade de silêncio
de pessoas espantadas com a vida. Todo criador tem um lado confuso e complexo. Alguns escrevem por pura paixão, outros, por uma saída de si mesmo, outros por exigências sem nome. O certo é que uma força selvagem e muita vezes devastadora empurra o artista para momentos de exaltação. Na narrativa as histórias vão correndo em todas as direções, de modo que a necessidade de escrever é tão grande que ao mesmo tempo que os enredos são reprimidos, são também exprimidos e a história sai como a luz do dia anunciando-se ao mundo. As coerções às vezes são insuportáveis mas todo artista acaba fazendo arranjos e liberta-se delas. Os conflitos em O. G. Rego de Carvalho assumem uma aparência nova, forte e em um resultado literário de extrema elaboração dá-se o construto do texto.
Problemas dramáticos atormentam as personagens de O. G. Rego. Tentam dominar a morte, há também a sobriedade das grandes agonias, alguns degradam-se pelo medo de transformar-se numa estranheza repelente. Uma das funções mais importantes da ficção
é a de nos dar um conhecimento profundo e completo dos seres. As pessoas “reais “
nos decepcionam e são fragmentárias. Nesse item a ficção ganha. O romancista sempre domina, delimita, dar coerência, mostra conhecimento coeso, dar uma interpretação lógica a seus personagens. E mais: o artista deve dar a impressão de que a personagem é um ser vivo.
O. G. Rego tem muitas fixações de memória que utiliza na construção de seus personagens, as famosas florestas de símbolos.
A fala das personagens de O. G. Rego é errante, parece que elas falam sempre para fora de si mesmas, o murmúrio de algumas confunde-se com o espaço geográfico. Parece um eco. Essa ilusão que permite a Literatura faz com quê tudo se volte para o mundo das possibilidades. Os recursos criativos falam de todas as maneiras. Muitos entraves da escrita faz com que o escritor saia para o “lado de fora” do mundo e peça para si uma intimidade do silêncio. A obra de arte é “sua” obra, exprime-o, mas não a exigência extrema da obra, a arte como origem.
O.G.Rego de Carvalho pertence a uma tradição em que o que existe de mais elevado se exprime num livro que é escritura por excelência. Nós, leitores, somos atraídos por seus livros...por lembranças necessárias e, que, também servem para serem esquecidas. Nos coadunamos por um esquecimento, pelo silêncio de uma profunda metamorfose, pela renovação dos sentidos, por provas indeterminadas de memórias.
Dizem que a arte é difícil, que o artista, no exercício dessa arte, vive de incertezas. Parece que a arte, essa atividade estranha que tudo deve criar, necessidade, objetivo, meios, cria muito mais o que a constrange, o que a torna difícil. Pode-se dizer que as relações do artista com a obra são estranhas e que as experiências subvertem as formas do tempo mas sabe-se que a obra atrai aquele que se consagra para o ponto onde ela é à prova da impossibilidade.
Sabemos que escrever é o movimento do desejo que quebra o destino. Há contrariedades
Que se situam na essência da escrita, a dificuldade da experiência e o salto da inspiração.
No nosso tempo, a realidade se apresenta e nos propõe meios mais fáceis, como se pudéssemos dissimular a facilidade numa exigência extrema. Muitos têm o dom mas nem todos desvendam esse dom, até porque sem o recurso do talento e da cultura, há uma insegurança do inacessível, a experiência infinita do que nem mesmo pode ser procurado, a prova do que não é provado, de uma pesquisa que não se faz e de uma presença que nunca é dada. Sabe-se que o imediato nem sempre é aquilo que está próximo. Como dizia Holderlin, para se escrever há uma necessidade “de uma força terrível do abalo.”
Mas será escrever uma ilusão? Se o é, ela não se impõe como uma miragem que dispensaria ao artista uma visão fácil, mas como como uma tentação que o atrai para fora dos caminhos seguros e o arrasta para o mais difícil e o mais longínquo.
Em seus livros O.G. Rego descreve um estado de suspensão e de paralisação que encanta e afasta os pensamentos. Dá às personagens de suas histórias uma vigorosa melancolia, faz longos encaminhamentos do tempo, reage ao tempo no agir. Ele é um criador capaz e dessa capacidade deixa seu vestígio no mundo.
Os elementos tensivos de qualquer obra e, essa leitura crítica pela qual o leitor, convertido em especialista, interroga a obra para saber como ela é feita, pede-lhe os segredos e as condições de sua criação, indaga severamente, em seguida , se ela responde bem a essas condições... o leitor, feito especialista, torna-se um autor às avessas.
O verdadeiro leitor não recria o livro, ele volta a uma possibilidade entre outras, para reencontrar assim a sua inquietação. Ler bem um livro é a leveza de um movimento de paixão.
Rosa Kapila
Edifício Imperador, 23 de novembro de 2008.

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